Sábado, 28 de Março de 2009

Terramoto

O Terramoto de Lisboa de 1755

  


"O dia amanheceu sereno e soalheiro, a 1 de Novembro de 1755. Tanto que a nobreza preferiu passá-lo nos palácios de recreio, nos arredores da capital, para gozar as temperaturas amenas que o Outono, apesar de já adiantado, oferecia. Nada faria prever o ambiente de apocalipse que chegaria - nada a não ser, alguns dias antes, o aparecimento de novas nascentes e, noutras, o aumento da corrente. Foi pelas 9h4O da manhã que se registou o primeiro abalo, "estando o barómetro em vinte e sete polegadas e sete linhas, e o termómetro de Reaumur em catorze graus acima do gelo, como afirma Cláudio da Conceição na sua Notícia do Terramoto, publicada em 1829. Nesse dia de Todos-os-Santos muita gente tinha velas acesas, nas suas casas de madeira. à primeira sacudidela seguiram-se outras, acompanhadas de fortes ruídos subterrâneos. Vejam-se testemunhos, como a de um mercador britânico, que se encontrava na capital: "Lá estava eu sentado, no primeiro dia do mês actual, cerca das 10 horas da manhã (...), quando senti a casa a abanar ligeiramente e esse abanar aumentou com um som impetuoso, como o som de carroças carregadas a movimentarem-se com força a uma certa distância e foi essa que imaginei ser a causa do tremor que ouvi e senti. Mas ambos aumentavam gradualmente e, observando os quadros na minha sala a bater contra as paredes, pus-me de pé e percebi logo que era um tremor de terra.(...) de tanto balançar e abanar pensei que o quarto começava a rebolar, o que fez correr para outro quarto interior, mais para o centro da casa. Mas o movimento era então de tal maneira violento quecom dificuldade me mantinha de pé. Toda a casa caía sobre mim, as telhas chocalhavam em cima dela, as paredes abriam brechas por todos os lados. As portas de uma grande estante que ficava no meu quarto, que se encontravam fechadas à chave, abriram-se de repente e os livros caíram todos das prateleiras, mas não antes de eu ter ido para a sala ao lado onde ouvi com terror a queda de casas em redor e os gritos e choro das pessoas de todos os quarteirões". São diversos os testemunhos que nos dão conta de como a derrocada dos edifícios levantou tanta poeira que obscureceu o Sol nesse dia, que amanhecera límpido - o céu da cor do pó em dias claros, por força de uma hecatombe, lembra catástrofes mais recentes, como o incêndio do Chiado, em Agosto de 1988, ou a área próxima das torres de Manhattan, no 11 de Setembro de 2001. Os relatos de 1755 referem, ainda, a abertura de fendas no solo e a saída de gases do interior da terra, as réplicas, a população em fuga, atropelando-se, os mortos nas ruas, os encarcerados pelas ruínas. Mas os acontecimentos dramáticos estavam longe de ficar por aqui. As velas das casas e das igrejas e as brasas dos fornos propagaram o fogo às madeiras, aos móveis, aos tecidos. Os palácios, as igrejas e o casario que ainda não haviam sucumbido ao terramoto iriam ser destruídos pelo incêndio enorme que começou a varrer a cidade, o qual alguns afirmaram ter sido visto em Santarém, e que iria durar seis dias ajudado por ventos fortes que entretanto se levantaram. Aos elementos que, em fúria, atacavam a cidade - terra, ar, fogo - juntava-se a água. As do Tejo recuaram, deixando à mostra leito. Depois o rio foi avançando como uma muralha líquida, apavorando aqueles que tinham fugido para a zona ribeirinha, fora das ruas estreitas e mais concentradas. Os relatos do maremoto que atingiu Lisboa revelam-se muito próximos das descrições e imagens captadas por vídeos das ondas do Índico que devastaram as costas asiáticas a 26 de Dezembro de 2004. Leia-se o relato do comandante se encontrava em frente ao porto: "Enquanto a multidão estava reunida próximo da margem do rio, (a água subiu a uma altura tal que ultrapassou e inundou a parte baixa da cidade; (…) Os barqueiros, ao serem sacudidos pelo súbito avanço da água, saltaram para a margem para se salvarem, sendo os seus barcos imediatamente levados pelo mar em retirada, que vazou e encheu, vazou e encheu, em quatro ou cinco minutos. (...) O castelo do Bugio ficou tão inundado pela água que a guarnição disparou vários tiros em sinal de socorro e foi obrigada a retirar-se para a parte superior da torre." Outro britânico encontrava-se na zona de São Paulo. Viu também o maremoto: "De repente, apareceu a uma pequena distância uma enorme massa de água a erguer-se como uma montanha, aproximando-se espumando e rugindo, precipitando-se em direcção à terra tão impetuosamente que, não obstante termos imediatamente fugido com a maior rapidez para salvarmos as nossas vidas, muitos foram arrastados para o largo. Os restantes ficaram com água pela cintura, a boa distância das margens (...)." Outro testemunho diz que alguns barcos "foram vistos a rodopiar como num remoinho, e então, com as popas levantadas fora de água, mergulharam a pique". No rescaldo, sucedem-se descrições e refugiados dealbando pelos campos. As imagens de freiras a chorarem pelas estradas, sem o tecto protector dos conventos agora arruinados, comoveu alguns espíritos. Por outro lado, as atitudes dos portugueses, a rezarem de joelhos ou a beijarem crucifixos repugnaram os britânicos, vendo-as como formas de beatice de obscurantismo católico.
 
Fonte: Actual Expresso, 22 de Outubro 2005.
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